A colecção de peças de influência oriental remete para uma série de reflexões que dizem respeito não só ao seu numero, à qualidade da sua execução, à sua diversidade, mas também à própria compreensão da sua presença neste museu. Embora este conjunto de peças, maioritariamente adquiridas na década de 50, não se equipare às colecções centrais do museu, representa um significativo testemunho material, de algumas das muitas transformações produzidas durante a “grande viagem” dos portugueses.

Lisboa, na época dos descobrimentos, substituirá Veneza, e passará a ser o polo centralizador e difusor das várias expressões recolhidas nos mais longínquos pontos, fervilhando em trocas não só de produtos mas simultaneamente de ideias e de influências. As grandes embarcações cheias da sua “carga europeia” irão provocar (e receber), na chegada a esses mundos novos, um impacto cultural pleno de dinamismo que se traduzirá em resultados ricos e complexos. Dessa reciprocidade de contributos nos falam inúmeros testemunhos artísticos.

Num museu com a diversidade de colecções que este alberga foi, portanto, considerado pelo seu fundador como de inegável interesse poder expor um representativo núcleo de peças luso orientais, que focasse alguns aspectos da presença portuguesa no oriente, desde a própria realidade quotidiana até à actividade missionária. Tal é o caso de uma gaveta-escrivaninha com o emblema dos dominicanos embutido no seu tampo ou ainda da delicada placa representando a Virgem do Loreto cuja imagem de fé se representou num material exótico como o marfim.

Noutro contexto, um pequeno cofre também executado em marfim mostra esculpidos a par de temas indianos, figuras de portugueses caçando, temática aliás frequentemente repetida em vários outros meios de expressão artística, entre os quais se destacam as colchas indo-portuguesas. É sabido que na Índia, para a escultura, para a obra de talha, para os têxteis, ou para a ourivesaria, se tinha conhecimento da existência de bons artífices. Será contudo na produção de peças de mobiliário, por inexistente nessas paragens, que se verifica uma das grandes novidades do encontro luso oriental.

Adaptando-se novos materiais, técnicas e decorações a protótipos nacionais levados para o oriente, ultrapassa-se largamente nas peças de mobiliário o seu significado funcional inicial na integração harmoniosa de “linguagens” muito diversas. O interesse deste núcleo está em dar a mostrar diferentes tipologias e decorações como é, por exemplo, o caso do pequeno contador de pousar de expressão mogol ou do contador de grande porte assente sobre singular trempe própria. Como não podia deixar de ser, o escritório – um dos móveis com mais divulgação nesse período – encontra-se representado através de uma importante peça em teca, decorada com talha baixa que ostenta ao centro do batente as armas do seu possuidor. Todo este conjunto se organiza visualmente em torno de uma aparatosa mesa de centro, síntese exemplar, pela diversidade dos seus materiais, técnicas e expressões, de contributos de várias origens.

Não se poderá evidentemente concluir que este núcleo se esgote na sua diversidade, nem que a qualidade de todas as suas peças se equipare, já que alguns exemplares resultam de várias abordagens, de revivalismos, do refluir de gostos. Estas peças dão sobretudo testemunho do multifacetado percurso português na sucessão de idas e vindas, na amostragem de um período de cruzamentos de mundos que se revela afinal de uma actualidade extraordinária.