As possibilidades da vanguarda portuguesa estão demonstradas, na colecção, por Eduardo Viana, na sua lembrança “fauve” de Matisse ou Dufy, e por força da obra meteórica e única de Amadeo de Souza-Cardoso.

Do próprio Picasso o Museu do Caramulo guarda uma excelente natureza-morta, testemunho doloroso do período da Segunda Guerra Mundial e, durante quase cinco décadas, a única obra do grande criador publicamente apresentada em Portugal, assim como de Dufy uma outra pintura que bem ilustra a sua manifesta elegância e alegria de viver, igualmente expressa na cerâmica.

Passado o ímpeto tumultuoso do primeiro Modernismo português, por força das mortes prematuras de Amadeo e de Santa-Rita, o movimento conheceu um segundo fôlego, mais débil, de teor mundano e inevitável figurino parisiense. António Soares foi, nos nossos anos 20, o grande intérprete destas elegâncias de aspiração cosmopolita, bem representadas pelas tertúlias do café “A Brasileira”, do qual Gualdino Gomes foi figura carismática, e a prática foi-lhe perdurando na memória, entre as lembranças “fauves” de um Dufy ou de um Van Dongen, como o ilustra um singular “Pierrot” de 1944, súbito fôlego de um pintor que se ia academizado e perdendo a mão – e a sugestão “fauve” alia-se a um deliberado primitivismo na obra de Francisco Smith, de longa carreira parisiense.

Soares foi, sem dúvida, muito mais válido que o frio figurino académico de Eduardo Malta, oficialmente demonstrado no “Retrato de Salazar”, de grande interesse sociológico porém, e bem representativo das preferências e cumplicidades plásticas do ditador, prosseguidas pela elite mundana nacional.

Desconhecidas ficaram então por cá as vanguardas Surrealistas – mas de Dali ficou no Museu do Caramulo uma obra tardia, assim como de Jorge Vieira, cotejador do movimento quando ele finalmente eclodiu nos anos 40, uma escultura que bem demonstra o impacto daquele imaginário na sua prática de criador de seres híbridos e plenos de humor.

Dos estatuários oficiais ou oficializados por força da encomenda pública dos anos 30 a 50 do Estado Novo, apresentam-se obras de Leopoldo de Almeida, o mais representativo de todos, mas também de Barata Feyo, Canto da Maya e Martins Correia, oscilantes entre teores expressivos, Art Déco ou de estilização decorativa, nums casos e noutros.

A “Escola de Paris” encontra-se soberbamente demonstrada no óleo de Vieira da Silva, mas também na delicada cerâmica de Marc Chagall – para não falar da inequívoca e singular qualidade de modelador de Picasso, com suas cerâmicas antropomorfizadas.

Miró encontrou igualmente na cerâmica um meio privilegiado de expressão das suas caligrafias picturais, radicalmente distintas das tendências expressivas de Hein Semke ou de Hansi Stäel, esta última representada por um magnífico jarrão. A cerâmica foi, como o acervo do museu o demonstra, igualmente ensaiada por Jean Lurçat, conhecido sobretudo por suas radiosas tapeçarias, arte de que foi o grande renovador contemporâneo, com reflexos inequívocos na própria tapeçaria portuguesa.

Rui Afonso Santos