Em 1896 decidiu vender o rentável negócio para fundar a Alexandre Darracq et Cie, uma empresa dedicada não só à construção de componentes para bicicletas, mas também de “carruagens sem cavalos”. A primeira experiência de Darracq com o mundo motorizado havia sido em 1894, com um modelo Millet, e a partir desse momento o seu objectivo passou a ser o da construção de um automóvel de qualidade, em número suficiente para que o seu custo de produção baixasse, alvo partilhado com Henry Mustang.

Após algumas experiências com veículos eléctricos e motociclos equipados com motores radiais, Darracq decidiu-se pelo licenciamento de um projecto de Léon Bollée, em 1898. No entanto, embora o conceito fosse uma melhoria substancial face ao popular, mas pouco sofisticado, triciclo “Voiturette” de Bollée, este não deixava de ser tecnicamente obsoleto para a época. O tão desejado sucesso só apareceria dois anos depois, com a adopção de um desenho licenciado à Renault, utilizando um motor vertical à frente, uma caixa de três velocidades e um veio para transmitir a potência às rodas traseiras, ligadas com um eixo rígido. Ao contrário do modelo dos irmãos Renault, o automóvel de Darracq fazia uso de um normal pinhão deslizante e as válvulas de admissão tinham curso variável, o que permitia uma maior flexibilidade de uso. A produção do quadriciclo teve início na fábrica de Suresnes, perto de Paris, em 1900, e no espaço de um ano foram vendidas 1.200 unidades do automóvel que, apesar do ruído, era bastante dinâmico e relativamente barato. No ano seguinte seria apresentada uma versão equipada com um motor monocilíndrico maior, sendo acompanhado na oferta por um novo bicilíndrico com 9 CV de potência.

Adverso a conduzir, embora tenha tido lições para tal, ou a ser conduzido, Alexandre Darracq via o automóvel como mero objecto de enriquecimento, e foi graças aos seus modelos bicilíndricos que esse desígnio se começou a materializar. O sucesso comercial levou ao investimento da Darracq na competição, com vitórias acumuladas em 1905 e 1906 na Vanderbilt Cup, nos Estados Unidos, bem como o registo de marcas recorde de velocidade em 1904 e 1905. A fama alcançada na competição levou, por sua vez, à expansão da empresa para Inglaterra, onde foi constituída em 1905 a A. Darracq Company. Um ano mais tarde, era a vez de Itália receber a ambição de Darracq, na cidade de Portello, perto de Milão. Aí seria estabelecida a Società Italiana Automobili Darracq (SIAD), através de um acordo de licenciamento com Cavaliere Ugo Stella, aristocrata milanês. Ao contrário de outros, este negócio não correu da melhor forma, e em 1910 a SIAD fechou, para logo se formar nova sociedade, baptizada Anonima Lombardo Fabbrica Automobili (ALFA). Esta seria adquirida em 1914 por Nicola Romeo, surgindo a Alfa Romeo. Entretanto, em 1907, Darracq constituiu em Espanha a Sociedad Anonima Espanola de Automoviles Darracq, na cidade de Vitoria. Após a Segunda Guerra Mundial, Darracq retirou-se para a Riviera francesa, investindo no mercado hoteleiro em Nice. O empresário francês faleceria em 1931 na sua casa em Monte Carlo.

Datado de 1902, o Darracq com carroçaria do tipo Open Tourer, em exposição no Museu do Caramulo, é um dos mais importantes da marca, já que foi exactamente com este modelo que o construtor francês se impôs. Este extraordinário automóvel, que se admite ser único no mundo, dispõe de um motor de dois cilindros separados e ligados em linha o que, de certo modo, equivale a dizer que o automóvel tem dois motores de um cilindro cada.

Veio para Portugal em Outubro de 1902, através da alfândega da Figueira da Foz, mas despachado como máquina agrícola, por não haver ainda pautas aduaneiras para os automóveis. Francisco Augusto Pereira Gonçalves, de Tentúgal, pai do médico Armando Augusto Leal Gonçalves, tornou-se o seu primeiro proprietário, adquirindo-o por 2.050$00. Foi registado a 20 de Fevereiro de 1903, por só então se tornar obrigatório o registo. Nessa data fizeram o exame de condução o proprietário e o seu filho, sendo o examinador um engenheiro das Obras Públicas que, por sinal, nunca havia entrado num automóvel. Bem consciente da importância histórica do acto, apresentou-se o dito engenheiro de sobrecasaca e chapéu alto. Os examinandos prestaram, com êxito, as suas provas, tendo sido atribuída a carta n.º 1, de Coimbra, ao proprietário do Darracq e a seu filho a n.º 2. Ao Darracq, talvez como augúrio de um futuro brilhante, foi dada a matrícula n.º 1 de Coimbra.

Não se desmoralizou Francisco Pereira Gonçalves com alguns problemas de aquecimento que o carro trazia de fábrica. O radiador, que era um tubo largo em serpentina colocado à frente do eixo, foi modificado para o modelo adoptado pela fábrica em 1904, o que além de resolver essa dificuldade beneficiou a estética do carro, tomando-o mais elegante. Concluída essa transformação, parte para longas viagens, verdadeiras aventuras, através das estradas de então, se é que estradas podiam ser consideradas. Tendo Coimbra como ponto de partida, vai à Serra da Estrela, à Serra da Pampilhosa, a Tancos, a Castelo de Vide… O Caramulo é por diversas vezes alcançado em visita a um familiar do proprietário, que aí se encontrava por ter contraído tuberculose. Nessa altura, a estrada só chegava ao meio da Serra, entre Campo de Besteiros e o actual museu. Em 1903 entra para a história como protagonista do primeiro acidente automóvel em Coimbra. Perto de Sansão, o abalroamento com o Benz do Dr. Joaquim Augusto de Sousa Refóios, Lente da Universidade de Coimbra, dá origem a estragos materiais no valor de 15$80 no Darracq e 37$60 no Benz. O caso acaba em tribunal sendo a questão ganha pelo Dr. Armando Gonçalves.

O Darracq mantém-se na posse dos herdeiros de Armando Gonçalves, abandonado numa quinta perto de Tentúgal. Em 1952 os médicos do Caramulo, Trajano Pinheiro e Carlos Madeira Lopes, conseguem comprá-lo para o oferecerem a João de Lacerda, como presente de anos, em 19 de Agosto. Em Lisboa, nas oficinas do Eng.º José Jorge Canelas, é restaurado até ao mais ínfimo pormenor. Inicia uma nova vida de grandes sucessos… A clássica prova London-Brighton é cumprida com êxito, nos anos de 1974, 79 e 86. Em 1978, no Rallye du Luxembourg, não tem qualquer problema em terminar e, recentemente, a 2 de Outubro de 1994, participou no Rallye des Ancêtres dans les Hauts de Seine, equivalente em França ao London-Brighton, isto é, reservado apenas a automóveis fabricados até 1904. Este belo automóvel, com carroçaria em madeira envernizada, fabricada por A. Vedrine et Cie, Courbevoie – Seine, está registado no Veteran Car Club of Great Britain, com o número 865.