Contudo, a orientação é perceptível nas opções tomadas na linha das grandes colecções de artes decorativas portuguesas da época, em que a um núcleo de mobiliário português, complementado com exemplares indo-portugueses, se juntariam exemplares estrangeiros de belíssima marcenaria, representados no Museu do Caramulo por duas cadeiras francesas.

Desbaratado nas primeiras décadas do século XX pela sangria dos antiquários europeus e americanos, o móvel português recebia nos anos cinquenta do século passado a atenção dos grandes coleccionadores, entre os quais Abel de Lacerda. Ricardo Espírito Santo Silva, Medeiros e Almeida, Ernesto Vilhena e Anastácio Gonçalves são nomes incontornáveis do coleccionismo português da primeira metade do século XX, e não é por acaso que estes coleccionadores surgem ligados à instituição a que Abel Lacerda preside, quer integrando o corpo gerente, quer como doadores. Une-os não só o gosto pelas artes decorativas, mas também o projecto de colocarem as suas colecções à fruição do público.

Assim, à arca de presumível proveniência açoreana, que constitui cronologicamente o primeiro exemplar da colecção, associa-se um baú de idêntica origem. Seguem-se três exemplares da tradicional cadeira de sola portuguesa do século XVII, móvel que marcou a produção nacional por toda a centúria. Mostra-se, ainda, um armário-oratório, cujo exterior corresponde aos tradicionais armários; mostra-se ainda, no interior, as pinturas das portas que representam São José com o Menino Jesus, a Virgem ajoelhada, a Anunciação e São Jerónimo, pinturas ingénuas do final do século XVII, que acompanharam certamente um Calvário colocado ao centro, pois o fundo representa a cidade de Jerusalém encimada por uma luz mística.

Um banco de sacristia revela-se uma peça de classificação difícil pelo trabalho de gosto regional, no qual os motivos decorativos barrocos, combinados com modelos mais tardios, preenchem três assentos de modelo arcaizantes, e um baldaquino de idêntica feição. Exemplar de uma oficina regional é também uma cadeira de braços do século XVIII, semelhante a muitas cadeiras ditas do provedor como as que ainda hoje se encontram nalgumas Misericórdias do País, e que combina na sua estrutura elementos de talha retirados de outras peças, consequência provável de um restauro do século XIX.

Ainda do século XVIII, marcam presença uma meia-cómoda e uma mesa de jogo, filiadas respectivamente em modelos franceses e ingleses. Nestas, o tradicional gosto da nossa marcenaria pelo uso da madeira maciça, nomeadamente o pau santo e a nogueira, é substituído por estruturas executadas em madeira como a casquinha, o carvalho e o pinho revestidas por um folheado ou faixeado a pau santo, pau rosa e outras madeiras exóticas, tal como acontecia nos modelos franceses e ingleses que reproduzem.