
Trata-se sim de uma junção aleatória, talvez demonstrativa do tipo de peças que circulavam pelo mercado português na altura da sua aquisição e mesmo de um gosto pessoal do fundador da instituição.
Apesar de tradicionalmente terem-lhes sido atribuídas as mais diversas proveniências, a sua maioria foi adquirida pelo fundador do Museu do Caramulo e, posteriormente, viram a sua aquisição patrocinadas pelo mais variado leque de indivíduos que, pelo seu conhecimento pessoal de Abel de Lacerda, se prestavam a financiá-las para o museu. Não há, assim, uma preocupação de construir um núcleo coerente mas sim um cuidado em adquirir uma série de peças de maior ou menor qualidade e de interesse variável, mas que possivelmente, no parecer de Abel de Lacerda, poderiam ter interesse por si só.
Neste núcleo destaca-se sem dúvida uma tendência para encontrar algumas pequenas referências de elementos imaginários ou surreais. Tal como podemos observar na salva do século XVI e que até hoje era praticamente ignorada. Não só pela sua interessante decoração mas também por pertencer a um conjunto de peças idênticas dispersas por diversas instituições nacionais e estrangeiras e por colecções particulares, constitui sem dúvida, o mais forte elemento nesta colecção de ourivesaria.
Destacamos também outra salva de menores dimensões dos finais do século XVII ou inícios do século XVIII que continua a transportar-nos para o reino do imaginário com o seu medalhão central no qual se observa um animal fantástico e híbrido.
Ainda no campo da prataria civil devemos apontar um gomil de centúria de setecentos, de um dos grandes fabricantes de Lisboa. Destaque-se também uma cafeteira em prata repuxada com um bico no qual se representa mais uma vez um animal fantástico e cuja pega em madeira trabalhada em torno remata na sua extremidade inferior numa mão enluvada com punhos de renda, elemento este que confere um toque de requinte e quase surreal à peça. A peça tem gravadas no seu bojo umas armas que tradicionalmente são atribuídas a uma família genovesa, os Pacceli.
Ainda do núcleo das pratas de uso civil não podemos deixar de referir um cantil em prata da segunda metade do século XIX, simples na forma e na sua decoração constituída por umas armas fictícias e por um ligeiro silvado gravado muito ao gosto de oitocentos; e por fim um pequeno vaso cujas asas em forma de serpentes enroladas parecem indicar os fins medicinais para os quais estava destinada.
Num pequeno núcleo de pratas para uso da Igreja, podemos encontrar uma coroa em prata decorada com floreros típicos do seiscentos, um turíbulo em forma de esfera recortada e vazada com uma decoração composta por palmetas e rosáceas repuxadas e vazadas, marcada com a punção de um fabricante lisboeta dos inícios do século XVIII (M.A. L-444) e ainda uma pequena moldura em prata datável do século XVII na qual se inscreve uma miniatura de Santa Bárbara.
Por fim, podemos destacar um pequeno núcleo de prata espanhola constituído por uma cruz de assento de inícios do século XVIII cujos exuberantes motivos florais constituem o seu elemento mais marcante e uma píxide cilíndrica encimada por templete e cruz, conjunto este que parece indicar uma tentativa de incursão para além das fronteiras nacionais. Apesar de não ser possível encontrar uma ligação coerente entre este grupo de peças, uma análise do seu conjunto permite-nos concluir que na escolha das pratas religiosas imperou um gosto mais tradicional enquanto que o interesse pelas peças civis foi mais ousado e em especial mais atento à sua qualidade e interesse.