Contemporâneo de Enzo Ferrari na Alfa Romeo – onde chegou a chefe de design do departamento de competição Alfa Corse, liderado na altura pelo carismático italiano – Ricart juntou-se às fileiras da casa de Arese em 1936, como um conceituado técnico com alguns projectos independentes em nome próprio. Refugiado da Guerra Civil Espanhola, Ricart voltaria ao seu país natal para liderar a Empresa Nacional de Autocamiones, SA (ENASA), sediada em Barcelona, no final da década de 40. Apoiado pelo governo nacionalista e embalado pela experiência italiana, Ricart tratou de desenvolver o projecto de um supercarro espanhol, escolhendo como emblema para o seu bólide um Pegasus, a figura mitológica grega do cavalo voador.
Especialmente dotado para o desenvolvimento de motores, Ricart concebeu de raiz um V8, equipado com duas árvores de cames à cabeça em cada bancada de cilindros, e câmaras de combustão hemisféricas. A alimentação ficava a cargo de carburadores Weber e existia a possibilidade de adaptar um compressor. Para além do motor, Ricart concebeu igualmente o chassis, uma plataforma autoportante em aço de reduzida distância entre eixos, no qual era montada a transmissão do tipo transaxle, uma solução que permitia uma distribuição de massas perfeita. A suspensão traseira baseava-se num eixo De Dion, enquanto o eixo dianteiro era equipado com triângulos sobrepostos e barras de torção longitudinais. A travagem ficava a cargo de tambores ventilados de grandes dimensões.
Menos conseguida era a estética do modelo. Esboçado pelos designers da ENASA, mais habituados à produção de pesados de mercadorias e de passageiros, a carroçaria do Pegaso Z102, assim se chamava o primeiro modelo da marca, pouco impressionou na sua estreia, durante o Salão Automóvel de Paris de 1951. Mas esta situação seria rectificada pouco tempo depois, com a contratação dos carroçadores Touring, de Milão, e Jacques Saoutchik, de Paris.
Puro-sangue voador
No lançamento da gama Z102, o motor V8 tinha uma capacidade de 2,5 litros, mas as variantes seguintes viram a capacidade do bloco aumentada, primeiro para 2,8 litros e depois para os 3,2 litros do motor desmodromic de 32 válvulas. As potências variavam entre os 160cv e os 360cv, consoante o tipo de carburadores escolhidos e a existência ou não de um compressor. A caixa de velocidades escolhida tinha cinco relações, com a transmissão final a permitir, aos modelos base, a respeitável velocidade máxima de 192 km/h e, aos mais potentes, a velocidade máxima de 249 km/h, o que para a altura era a marca mais elevada para um automóvel de produção.
A apresentação oficial da primeira série do Pegaso Z102 B Touring Berlinetta foi no Salão de Nova York de 1953. Desenhado por Touring como um verdadeiro Gran Turismo, os Berlinetta caracterizaram-se pelas aberturas nas esquinas do capot e uma linha de tecto bastante fluída.
O modelo B-T primeira série, versão definitiva do protótipo e igual ao automóvel aqui apresentado, surge no Salão de Nova Iorque em Fevereiro de 1953 e custava 15.000 dólares, preço superior aos Ferrari. Os registos de fábrica dão-nos uma produção total de 84 automóveis, entre Setembro de 1951 e 1954, dos quais existem 44 em Espanha, 14 nos Estados Unidos da América, nove no resto do mundo, tendo desaparecido ou sendo destruídos os restantes 17. Na sua maioria, estavam equipados com o motor V8 de 2,8 litros, com carburadores distintos e alguns com compressor, mas o Berlinetta teve versões cliente equipadas com um motor V8 de 3,2 litros de capacidade.
Este automóvel, de prestígio para a indústria espanhola, mereceu a escolha do Generalíssimo Franco para presentear o Presidente Craveiro Lopes quando, em Maio de 1953, este visitou oficialmente Espanha. Porque o Marechal Craveiro Lopes, homem de grande honestidade e escrúpulo, não desejava conservar presentes recebidos durante o seu mandato, de imediato o registou, a 5 de Abril de 1954, em nome do Estado Português, tendo sido atribuída a matrícula EP-19-74. Posteriormente, a 6 de Abril de 1965, esta matrícula foi substituída pela actual HF-34-47.
Foi poucas vezes utilizado por Craveiro Lopes, mas o seu filho, Capitão Aviador João Carlos Craveiro Lopes, rodou alguns milhares de quilómetros até que em 1958, quando o Almirante Américo Tomás foi eleito Presidente da República, o Pegaso ficou imobilizado no Palácio de Belém. Mais tarde, foi transferido para um armazém do Ministério das Finanças, em Xabregas, onde veio a sofrer graves danos com as inundações que assolaram Lisboa em Novembro de 1967.
Acabou por ser recuperado por iniciativa de João de Lacerda, com a preciosa colaboração das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico de Alverca e do Eng.º José Jorge Canelas, obtendo-se um perfeito restauro na forma original. Para a reconstrução do Pegaso, João de Lacerda teve de se socorrer da ajuda de Ricart, deslocando-se, várias vezes, a Espanha, para pedir instruções e peças. Este automóvel faz hoje parte da colecção automóvel do Museu do Caramulo, e fez parte da exposição temporária “Os Automóveis e as Figuras Históricas”.
Este automóvel foi doado ao Museu do Caramulo pela Presidência da República Portuguesa.