As contingências e circunstâncias em que a colecção foi reunida, no espaço de tempo extraordinário de apenas quatro anos (1953-1957), numa urgência, diga-se, quase fatalista, determinaram os vectores da escolha.

Em Portugal, entre esses anos, mantinham-se ainda os parâmetros qualificativos que separavam hierarquicamente as artes em duas categorias: maiores e menores. Dentro das primeiras, a pintura ocupava papel de destaque. Ainda dentro da categoria da pintura antiga, alguns períodos eram preferidos em relação a outros. Mercê de uma mentalidade e conhecimento da história da arte, imbuída ideologicamente do programa estado-novista, os períodos cronologicamente próximos dos “grandes momentos da história pátria” mereciam favorável destaque. Assim, paradoxalmente, por simples coincidência determinada pelo saber do tempo ou escolha criteriosa preestabelecida, a colecção do Caramulo reúne núcleos de pintura bastante coerentes que se relacionam entre si. Desde logo os chamados “primitivos” – as pinturas que coincidiam com o tempo das grandes descobertas, incensadas na exposição que consagrou esta expressão classificativa – têm lugar de destaque no acervo do Caramulo.

Por outro acaso, talvez exista nesta colecção um grupo de pinturas todas executadas em torno do ano de 1525. Contam-se neste número um São Jerónimo pintado por Frei Carlos, um São João Baptista de Vasco Fernandes (o famoso Grão Vasco), e dois outros pintores que trabalharam em Bruges e Antuérpia, cidades do norte da Europa com que os portugueses mantiveram estreitas relações na época dos Descobrimentos. Trata-se de Quentin de Metsys, de quem o Museu do Caramulo guarda um belíssimo retrato de São Bernardino de Siena. Finalmente, de data mais tardia, pode incluir-se no grupo dos chamados “primitivos portugueses” a Deposição de Cristo no Túmulo , classificada em 1957 como da mão de Garcia Fernandes, mas que agora se conclui ser de Fernão Garcia.

Fogem a este arrumo três tábuas pintadas cuja origem parece estar próxima das oficinas de pintura espanholas. A Investidura de Santo Ildefonso e o Martírio de São Sebastião foram aproximados do estilo de João de Borgonha, mas ao nível dos ornatos arquitectónicos mostram já “citações” de um gosto “ao antigo”. A terceira tábua, mutilada e diminuída das suas dimensões originais, cuja pintura representa Santa Ursula , está classificada como castelhana, mas nos seus traços nota-se uma nítida influência flamenga.

Existem ainda pinturas que, pelo conhecimento que se tem hoje, se encontram fora dos parâmetros cronológicos determintas dos “primitivos” – 1450-1550, mas que se julgavam, no tempo da formação da colecção do Caramulo, ainda incluíveis dentro dessa baliza cronológica.

Mais longe estavam ainda os avanços científicos que deram investigadores como Vítor Serrão e Joaquim Caetano, que poderam apontar com rigor nomes para determinados pintores lendários, que só os memorialistas registavam. Talvez por este desconhecimento se tenha incluído na colecção quadros como o Baptismo de Cristo de Diogo de Contreiras ou a “moralesca” Virgem com o Menino. Recentemente foi integrada no acervo do Museu do Caramulo uma pintura representando A Virgem e o Menino com Santa Isabel e São José. Esta pintura, de sabor italianizante, dos finais do século XVI, copia uma gravura de Marco António Raimondi a partir do original de Rafael Sanzio.

Do período da restauração, exibe o Museu do Caramulo apenas um retrato de meio corpo de um façanhudo Magistrado que ostenta com orgulho a Cruz da Ordem de Cristo, mas foi pintado por artista inglês que o firmou com o seu nome Henry Pickering, já em 1731. Um São João Baptista, de idade púbere, tem efeitos lumínicos caros à pintura barroca que teve entre nós como um dos maiores cultores Avelar Rebelo, pintor de D. João IV.

De um gosto barroco internacional são duas outras pinturas : o hierárquico Retrato de Maria de Médicis, e aquela que é uma das melhores obras de pintura antiga da colecção, uma tela assinada por Jacob Jordaens, datada de 1638, que representa Vertumno e Pomona.

Não estaria completo o panorama dos períodos favoritos da crítica de arte antiga de meados do século XX se não se incluísse a arte produzida sob o domínio do “glorioso rei Magnânimo”. À falta de pintura de cavalete que pudesse ser incluída na colecção, recorreu-se aos desenhos. Duas obras de Francisco Vieira Lusitano – pintor português do reinado de D. João V que ombreou com os melhores pintores romanos da sua época – fazem parte desta colecção. Um desses desenhos, executado a sanguínea, ostenta a assinatura do artista onde figura a cruz da Ordem de São Tiago, e representa A Trindade com uma complicada alegoria às ordens religiosas. O outro desenho de Vieira Lusitano é um estudo para Cristo Irado com o Mundo.

Para preencher a lacuna da colecção no que respeita à arte do século XVIII, recorreu-se ao horizonte cultural francês que vinha, desde há muito, impondo as suas regras ao nível do gosto nacional. Faz parte desse gosto estrangeirado, ditado pela pompa mundana francesa, um aparatoso Retrato de Luís XIV. Já no campo da estética Rocóco encontramos o quadro de Luis Paret Y Alcázar, representando Ester desfalecendo perante Assuero.

Por estranho que possa parecer, os especialistas, na pintura de Paret, acham crucial a sua passagem por Lisboa para apreensão do gosto francês. Julga-se que o contacto com a pintura de Pillement, que por cá estadiava, tudo mudou na sua pintura. Deste último pintor tem o Museu do Caramulo no seu acervo uma Paisagem. Domenico Pellegrini também por cá passou entre os anos de 1803 e 1810, deixando inúmeros retratos das mais ilustres famílias portuguesas. Na sua laboriosa carreira fez vários estudos académicos de que o Nu da colecção do Caramulo é exemplo.

Também Domingos António Sequeira não podia deixar de estar representado na colecção deste museu. São três as obras de Sequeira que se guardam no Caramulo: dois desenhos e uma tela pintada representando um Ex-voto pintado pelo artista num momento dramático da sua vida, onde a auto-representação faz parte de um quadro de exteriorização dos traumas mais profundos do criador. Um dos desenhos é um modello, ou esboceto, onde Sequeira lança sobre o papel as primeiras impressões daquilo que viria a ser a Descida da Cruz da conhecida série de pinturas que executou para os Palmela. O outro é o Retrato de Manuel de Serpa Machado. Trata-se de um desenho acabado que podemos incluir na galeria de retratos dos deputados da Assembleia Constituinte.

O núcleo de figuras românticas é representado pelo retrato de jovem com a figura de Lord Byron. ou por uma figura masculina que agora se identifica com Francisco António da Silva Mendes da Fonseca. De outro panorama é um Retrato de Senhora, assinado e datado pelo espanhol Vicente Lopez Portaña em 1834. Também fora desta classificação, pelo seu conservadorismo de modelos e proposta pictórica, deve-se colocar a Descida da Cruz, de Maurício José do Carmo Sendim. Noutro universo artístico inclui-se o Estudo para “A História” de Teixeira Lopes que, no entanto, pelas características algo académicas do desenho, poderá fazer a ponte entre a arte antiga e a contemporaneidade.