Embora esta amostra seja aleatória resulta, concerteza, da escassez com que o vidro antigo surgia no mercado de antiguidades em meados do século XX. Este fenómeno prende-se com o facto da indústria desta arte ter surgido tarde e em condições pouco favoráveis no nosso país.
Assim, embora tenham existido fábricas de vidro em Portugal desde o século XV, nomeadamente a de Coina, apenas com o incremento industrial pombalino e mais ainda com a abertura da fábrica da Vista Alegre, se começa a vulgarizar este produto. Por isso, no Portugal pré-pombalino era mais fácil encontrar vidro de origem espanhola, francesa, alemã, veneziana, dos Países Baixos e mesmo da Boémia, centros de fabrico onde as indústrias produziam vidro de melhor qualidade, em quantidades superiores e, portanto, mais concorrencial, do que o português.
Em Espanha, foi na região da Catalunha, particularmente nas cidades de Barcelona e Mataró, que o vidro logrou alcançar fama de qualidade comparável aos seus congéneres venezianos da ilha de Murano. No século XV já os vidreiros de Barcelona se agrupavam num grémio, tendo alguns dos seus membros assento nos conselhos municipais. Com este poder nas mãos, os vidreiros conseguiram organizar uma feira todos os primeiros dias do ano onde podiam dar a conhecer ao público as suas mais distintas produções.
Pode dividir-se a produção catalã em dois grandes grupos, tendo em vista as técnicas decorativas: os vidros esmaltados (séc. XV – princ. XVIII) e os vidros a la façon de Venise (sécs. XVII- XVIII) (REY DE VIÑAS, 2002, pp. 66-67). O Museu do Caramulo possui apenas espécimes deste último grupo, o que é natural dado que os vidros catalães esmaltados são hoje raríssimos. Se neste grupo se nota uma confluência de estilos entre os modelos venezianos e sírios, no segundo grupo são evidentes as marcas do estilo muranês em convívio muito estreito com os usos e costumes locais.
Com a colecção de vidros do Museu do Caramulo, podemos quase seguir os diferentes tipos de decorações mais utilizadas na Catalunha a la façon de Venise: os gravados a ponta de diamante, as filigranas ou fios de branco leitoso embebidos como numa Garrafa e numa Pia de água benta deste Museu, o craquelado como no Fruteiro e, finalmente, o vidro trabalhado a quente com pinças como em duas Bilhas.
A Portugal também parece ter chegado esse género de vidros e, no Caramulo, existem dois frascos de farmácia como testemunhos dessa produção. Ao longo do século XVIII a produção catalã decairá, perdendo qualidades. Terá de se esperar pelo incentivo régio espanhol de Filipe V, para a criação da Real Fábrica de Cristales de La Granja de San Ildefonso (REY DE VIÑAS, 1998 e RUIZ ALCON, 1985), da qual é originária uma elegante compoteira, com decoração dourada a fogo, e uma travessa com um par de copos. A este grupo também se pode associar uma caneca decorada com a figura de um cavaleiro.
Em Portugal, em 1719, dezassete anos antes da fundação da fábrica de La Granja, D. João V estabeleceu a Real Fábrica de Coina. Apesar de se conhecerem documentalmente e através de alguns achados arqueológicos vários centros de fabrico de vidro no nosso país (Lisboa, Palmela, Santarém, Coina, Alcochete, Asseiceira e Côvo em Oliveira de Azeméis) desde o século XV, só com este incentivo régio poderemos falar de uma verdadeira produção vidreira, embora não fosse caracterizada por exímia qualidade.
Desta fábrica deverá ser um copo com decoração polícroma que enaltece as figuras régias fundadoras e protectoras da fábrica, D. João V, talvez pintado por ocasião da visita real de D. Mariana de Áustria à fábrica em 1727 (BARROS, 1989, p. 45, CUSTÓDIO E CALDAS, 1990, pp. 231-234 e MENDES, 2002, pp. 55-59; CUSTÓDIO, 2002, pp. 155-201). O mesmo teor de enaltecimento de figuras régias percorre outros espécimes de vidro da colecção do Caramulo, como um copo produzido na fábrica, já depois da mudança, em 1748, de Coina para a Marinha Grande, ou dois outros copos, com as efígies de D. Maria II e de D. Pedro Duque de Bragança, são do período mais produtivo e de maior perfeição, que se situa entre os anos de 1837 e 1846, da “Fábrica de Porcelana, vidro e Processos Chimicos da Vista Alegre”.
A colecção de vidros do Museu do Caramulo possui ainda outros dois objectos em vidro: uma compoteira com prato de origem francesa e um frasco alemão, que têm em comum a policromia (DRAHOTOVÁ, 1987). De um outro universo técnico, o dos esmaltes, o Museu do Caramulo conserva três peças: uma taça esmaltada com fundo negro e gomos brancos, decorada com estrelas douradas, de presumível origem veneziana, poderá ter sido executada em finais do século XV; e duas placas ovais, guardadas dentro de um estojo, que têm representadas em esmalte Santa Úrsula e Santo Agostinho.