““Meia Sombra” é o ponto de transição da luz para o escuro, uma meia-luz ou penumbra, que no contexto da natureza refere uma condição de iluminação intermediária entre a luz inteira e a sombra completa. É sobre o signo deste processo mediado que se desenvolve a exposição do primeiro momento do ciclo Desconcentrar – A Partir da Coleção da CGD que propõe trazer perspetivas recentralizadas nas intensidades, energias e vibrações da Serra do Caramulo. Num movimento que procura levar a serra para o interior do museu, o trabalho desenvolvido em residência e apresentado agora na exposição “Meia Sombra – A Partir da Coleção da CGD” pelas artistas Joana da Conceição, Maria Paz Aires e Teresa Arêde inscreve outras formas de vida, agências e forças, numa relação com o entorno natural do Museu do Caramulo, recuperando uma conexão com os diversos ritmos da serra, e os testemunhos e memória das suas comunidades.
Partindo de um modo de estar em conjunto vinculado a múltiplas temporalidades e estádios transformativos, esta exposição aborda um pensamento não-historial do lugar, interpelando uma natureza eterna, autossuficiente, ecossistémica, indissolúvel e cíclica. Se no caso da instalação feita em conjunto pelas artistas Joana da Conceição e Maria Paz Aires existem diversos núcleos que formam uma constelação que, desconstruindo a noção do todo e baseando-se na ideia de alteridade, toma o museu através de uma figura antropomórfica feminina, ancestral e gutural composta pela materialidade da natureza; as obras de Teresa Arêde partem também do lugar do feminino, inscrevendo um trabalho sonoro comunitário, bem como elementos ligados ao lacrimejar, ao musgo e às pedras, que simbolizam aqui uma ação em rede da serra. Estas obras estão, portanto, intimamente unidas a uma partilha de saberes que desconstrói uma ideia fechada de autoria, seja pelas peças realizadas em parceria com diversos artesãos da região, ou pela intervenção participativa com a AMA – Associação das Mulheres Agricultoras de Castelões, a acontecer na inauguração, nos jardins em frente ao Museu do Caramulo. Este evento será um encontro partilhado que reúne a comunidade para em conjunto cultivar a flor do linho, que vai crescer durante a exposição e ser recolhida na finissage. Por outro lado, as peças de Ana Jotta e de Von Calhau! pertencentes à Coleção da CGD trazem outros imaginários insondáveis da terra, completados pelas peças do Museu Terras de Besteiros vindas de diferentes tipos de cultura material da região, e que nos remetem para as artes e ofícios tradicionais, como a produção do linho, a cestaria ou a olaria.
“Meia Sombra” está assim vinculada à generosidade da terra – aquela que permite que a partir de uma flor se crie um pano de linho. Trata-se de uma ética ligada à natureza fundada no dom: um movimento de doação que assenta no repartir, no amparar e na dádiva, mais do que na retenção, na escolha e na exclusão, desenvolvendo-se num ato contínuo de generosidade e de acolhimento.” (Sara Castelo Branco, curadora).