Museu do Caramulo inaugura exposição “Potlatch” com curadoria de Julião Sarmento

21 de Junho de 2019

O Museu do Caramulo vai inaugurar já no próximo Sábado, dia 29 de Junho, às 17h, a exposição temporária de arte contemporânea “Black Box: Potlatch”, com curadoria de Julião Sarmento e obras de Leonor Antunes, Juan Araujo, João Maria Gusmão & Pedro Paiva, António Bolota e Carolina Pimenta.

A exposição é a número três de um ciclo de seis exposições a ter lugar no Museu do Caramulo, em seis anos, apresentando obras contemporâneas das áreas da fotografia, cerâmica, escultura, desenho e instalação, inseridas nas salas de arte do Museu do Caramulo, em confronto com o acervo permanente do museu. O projecto Black Box tem direcção do artista João Louro e em cada ciclo um artista diferente é convidado a realizar a curadoria da mesma, sob um conceito à sua escolha, selecionando também os artistas que a integram.

A exposição “Black Box: Potlatch”, que estará patente no Museu do Caramulo até 29 de Dezembro, conta com o apoio da Câmara Municipal de Tondela, da Interecycling e do banco BPI.

Black Box: Potlatch

O altruísmo da oferenda

“O potlatch é uma cerimónia praticada entre tribos indígenas da América do Norte, como os Haida, os Tlingit, os Salish e os Kwakiutl. Existe também um ritual semelhante na Melanésia.

Consiste num festejo religioso de homenagem, geralmente envolvendo um banquete de carne de foca ou salmão, seguido por uma renúncia a todos os bens materiais acumulados pelo homenageado – bens que devem ser entregues a parentes e amigos. A própria palavra potlatch significa dar, caracterizando o ritual como de oferta de bens e de redistribuição da riqueza. A expectativa do homenageado é receber presentes também daqueles para os quais deu os seus bens, quando for a hora do potlatch destes.

O valor e a qualidade dos bens dados como presente são sinais do prestígio do homenageado. Originalmente o potlatch acontecia somente em certas ocasiões da vida dos indígenas, como o nascimento de um filho; mas com a interferência dos negociantes europeus, os potlaches passaram a ser mais frequentes (pois começaram a haver bens comprados apenas para serem presenteados) e em algumas tribos surgiu uma verdadeira guerra de poder suscitada pelo potlatch. Em alguns casos, os bens eram simplesmente destruídos após a cerimónia.”

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O acto de dar ou de oferecer contém quase sempre o amargo da desconfiança no altruísmo do doador. Por trás da atitude aparentemente desinteressada deste, esconde-se o alimentar da sua auto-estima pelo puro prazer da oferenda. Ao oferecer, para além do prazer que eventualmente se dá a quem recebe, está-se sobretudo a dar prazer a si próprio ao satisfazer o seu ego alimentado pelo simples acto da oferenda. O acto de oferecer, torna-se portanto puro prazer e satisfação para quem oferece. Logo, no limite, a oferta é então uma espécie de onanismo habilmente disfarçado de generosidade.

“A interpretação sociológica da troca de oferendas tem-se sobretudo focado na natureza recíproca de tais trocas e no seu significado simbólico para a integração da colectividade ou colectividades envolvidas.” (Levi-Strauss).

A partir desta perspectiva a troca de bens é vista como derivando de, e reforçando o princípio moral da reciprocidade que tem efeitos subsequentes noutras formas de permuta. Sendo a reciprocidade, por definição, tida como um princípio moral é evidente que trocas de presentes são trocas entre pessoas no seu papel de agentes da colectividade ou colectividades envolvidas.

Talvez seja essa mesma situação que se verifica em toda esta exposição. Estes seis artistas, ao oferecerem ao publico a possibilidade do seu trabalho ser visto e/ou admirado num contexto que não é o habitual, incorrem naturalmente numa atitude “potlatchiana”, chamemos-lhe assim, por tornarem possível a permuta da oferenda. O artista oferece, o espectador recebe (vê e aprecia), e, consequentemente, dignifica assim o seu trabalho de artista. É quase uma situação antropológica da oferenda.

Assim mesmo, cada um destes artistas participantes, contribui com a generosidade de mostrar as suas obras num contexto pré-existente, para o engrandecimento desta exposição. Refiro-me a um contexto pré-existente já que não foram retiradas as peças usualmente expostas neste museu e regularmente mostradas ao público. O que fizemos foi complementar cada uma das salas escolhidas com novas obras que com elas pudessem dialogar inteligentemente.

Esta exposição, tal como o Potlatch, é uma festa em que os artistas oferecem os seus trabalhos à apreciação de quem os vê e cuja generosidade é retribuída pela consequente apreciação e fruição de quem o aprecia. É chegada agora a altura em que, tal como na cerimónia do Potlatch, a retribuição a este acto de generosidade o ultrapasse pela fruição de quem vê esta mostra.”

Julião Sarmento

Junho de 2019